Zack Snyder não convenceu muita gente com sua adaptação de “Watchmen”, em 2009. Alguns se queixaram da falta de carisma dos personagens, enquanto outros reclamaram da pretensa maturidade da história, atingida em poucas sequências. Eu sou do grupo que se esforçou pra encontrar alguma centelha positiva naquele emaranhado de situações constrangedoras e enfadonhas. Como os elogios apareceram em maior quantidade, o cineasta viu piscar o sinal verde para trabalhar seu primeiro roteiro original. O resultado deve fazer repensar as opiniões dos que carregam uma má impressão sua.
“Sucker Punch” é, de longe, o melhor produto pensado e executado por Snyder. E o motivo principal para isso não é o grupo de belas garotas em trajes mínimos e munidas até o último fio de cabelo. Aqui, o diretor soube preservar e equilibrar a frágil veia cômica de uma história absurda – embora em nenhum momento ofereça ao público algo para rir – e o drama anunciado pelas garotas privadas de sua liberdade. Ou seja, apesar do fundo trágico que permeia a narrativa, “Sucker Punch” não é um filme para ser levado a sério. Antes disso, é algo que deve ser sentido, ouvido e admirado.
As esforçadas Emily Browning, Abbie Cornish, Jena Malone, Vanessa Hudgens e Jamie Chung formam o grupo principal de garotas prisioneiras em um sanatório. Também são elas as protagonistas de um cabaré de luxo frequentado pela elite da cidade. Além disso, são guerreiras que recebem missões impossíveis em épocas diferentes da existência humana. O rompimento da cronologia histórica e as constantes quebras na linearidade dos fatos são possibilidades magistralmente arquitetadas por Snyder. O diretor extravasou toda a sua criatividade adormecida ao criar um filme que acontece, simultaneamente, em três dimensões completamente distintas.
Sem a profundidade demonstrada por outros filmes que trabalharam a ideia de dimensões simultâneas, como “A Origem”, “Sucker Punch” trata suas três extensões de forma didática, tornando pouco provável o surgimento de qualquer dúvida que prejudique nossas noites de sono e seja motivo para infinidades de postagens em fóruns de cinema. Por subestimar a capacidade de seu público e tornar explícito em seus últimos minutos o didatismo que aparece em toda a trama, Snyder encerra seu filme com um ponto negativo. Falha plenamente perdoável e esquecível.
Na verdade, é um problema até insignificante quando analisado junto ao rigoroso trabalho de direção de arte. Em “Sucker Punch”, cada detalhe nos cenários, figurinos e maquiagem parece ter sido explorado ao máximo, em busca do perfeito casamento com o surrealismo do roteiro. Seja nas paredes brancas (que nunca são completamente brancas) do sanatório, na pintura impecável no rosto das garotas, na concepção dos uniformes ou nos objetos escolhidos para a composição dos cenários, tudo parece irretocável.
A câmera de Snyder soube explorar os esforços de seus figurinistas, maquiadores e cenógrafos. Algumas angulações obtidas por ele são tão interessantes visualmente que é difícil deter a atenção no que está sendo dito pelos personagens. Observe atentamente a cena em que a protagonista chega ao sanatório e, com um ousado recurso de close-up, tem seu rosto dividido de acordo com a fala dos dois antagonistas. Repare ainda na sequência anterior ao primeiro show, quando as garotas se arrumam no camarim e a câmera se movimenta de modo sublime, passando do reflexo no espelho para a vida real e vice-versa. O único incômodo detectado em seu modo de filmar é o repetitivo recurso de câmera lenta, que aparece em excesso e quebra o ritmo de algumas sequências.
Para coroar seus êxitos, a trama de “Sucker Punch” é embalada por uma trilha sonora minuciosamente selecionada para parecer pop, como toda a narrativa, sem ser popular. Björk, Emiliana Torrini e Queen são os nomes mais conhecidos em sua composição. A própria Emily Browning, protagonista da história, surpreende cantando “Sweet Dreams”, sucesso dos anos 80 do duo britânico Eurythmics.